O silêncio do Moai e o sussurro de Gabriela Mistral
Em Viña del Mar, a visita ao Museu Fonck revela mais do que um Moai da Ilha de Páscoa. Ali, entre o silêncio ancestral da pedra e a poesia de Gabriela Mistral, o tempo se suspende e oferece um instante de contemplação e memória.
O trajeto até o Museu Fonck, em Viña del Mar, é curto. Mas há passeios que não se medem em quilômetros. Medem-se em camadas: de tempo, de história, de emoção.
Neste bairro aparentemente adormecido pelo inverno chileno — cercas baixas, árvores nuas, jardins em pausa — o museu não se anuncia com grandiosidade. É discreto, branco, portas fechadas. Mas do lado de fora, algo pulsa. Uma presença que nos chama, mesmo antes de ser vista.
O Moai diante do mundo
Bastam poucos passos no jardim para que ele surja: um Moai. Real, de pedra, milenar. Não há cercas. Não há vidros. Ele está ali, em pé, como se ainda vigiasse a Ilha de Páscoa, de onde veio em 1951.
O guia nos conta que há apenas três Moais fora da ilha no território chileno — este em Viña del Mar, outro em Santiago e um terceiro em La Serena. O que torna esse encontro ainda mais improvável. E mais precioso.
O Moai está diante de nós como um elo físico com algo quase inatingível. Como se nos dissesse que o tempo não se perdeu, apenas aguarda em silêncio. Como se dissesse que ainda há histórias enterradas sob sua expressão imóvel.
Rapa Nui: ombligo del mundo
Rapa Nui, a Ilha de Páscoa, é um lugar cercado de mistérios. São novecentas estátuas espalhadas por encostas e crateras, quase todas voltadas para dentro da ilha, como se vigiassem não o mar, mas os próprios habitantes. Ninguém sabe exatamente como foram esculpidas ou transportadas. O que se sabe é o que se sente: reverência.
Esse Moai diante de nós carrega esse mesmo mistério. Ele não precisa de palavras para contar o que viu. E mesmo parado, nos move.
Um outro encontro: Gabriela Mistral
Mas o museu oferece mais. Ao andar pela praça, entre galhos secos e o frio doce do inverno, outra escultura nos surpreende. Pequena, quase escondida, parece feita para ser descoberta em silêncio.
“Dame las manos y danzaremos.”
— diz a inscrição.
É um verso de Gabriela Mistral, a poetisa chilena, educadora e primeira mulher latino-americana a receber o Nobel de Literatura. Seus poemas falam da infância, da dor, da entrega. Mas não com pena — com luta.
Outro verso ali presente, mais cortante:
“Piecesitos de niños, azulosos de frío.
¡Cómo os ven y no os cubren, Dios mío!”
Pequenos pezinhos de crianças, azulados de frio.
Como os veem e não os cobrem, meu Deus.
É poesia, mas é também denúncia. Gabriela escrevia como quem reza e como quem exige justiça. E ali, entre um museu fechado e uma estátua milenar, seu poema nos faz parar. Nos obriga a sentir.
O Chile que aprende com a terra
De volta ao grupo, o guia retoma a fala. Agora sobre terremotos, tsunamis e o modo como o Chile aprendeu a respeitar a terra que treme. Cada abalo ensina. Cada desastre reconfigura rotas, refaz casas, ajusta rotinas. Aqui, diz ele, o susto não se esquece — se transforma em aprendizado.
Enquanto ele fala, Viña del Mar pulsa ao redor. Mas naquele instante, tudo parece conter a respiração: o Moai, a escultura, as palavras. Como se o tempo suspendesse o cotidiano só por um segundo para deixar o essencial emergir.
Não é preciso muito para ser inesquecível
O tempo é curto. A parada, breve. Mas há visitas que marcam porque sabem onde pousar. Antes de entrar novamente na van rumo à praia, olho uma última vez para o Moai. Ele continua imóvel, claro. Mas parece saber de tudo. De todos os que vieram e ainda virão.
Há lugares que não precisam de paredes para serem museus. Há estátuas que não precisam de placas para serem lidas. E há momentos que não precisam durar para serem profundos.
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